quinta-feira, 31 de março de 2011

OAB/RJ entra com representação na Câmara contra Bolsonar

Declarações ofensivas
OAB/RJ entra com representação na Câmara contra Bolsonaro
A procuradoria da OAB/RJ entrou ontem, 30, com representação na Câmara por quebra de decoro parlamentar contra o deputado Jair Bolsonaro, PP/RJ, que, no último dia 28, fez declarações racistas e homofóbicas ao programa CQC, da Band.
O parlamentar disse que seus filhos não correm o risco de namorar uma mulher negra ou virarem gays porque "foram muito bem educados".
"As declarações do deputado Jair Bolsonaro são inaceitavelmente ofensivas, pois têm um cunho racista e homofóbico, incompatível com as melhores tradições parlamentares brasileiras. O Congresso não merece ter em suas fileiras parlamentares que manifestam ódio a negros e gays", disse Wadih Damous, presidente da OAB/RJ.
O documento enviado pela seccional argumenta que o deputado atentou contra a CF/88 (clique aqui), que prevê, entre outras determinações, a igualdade perante a lei, "sem distinção de qualquer natureza".
  • Confira abaixo a representação na íntegra.
EXMO. SR. PRESIDENTE DA MESA DIRETORA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS.
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SEÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, serviço público independente, dotado de personalidade jurídica e forma federativa, vem, por meio de seus representantes legais abaixo assinados, com base nos arts. 3º e 13, §1º, do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, oferecer
REPRESENTAÇÃO POR QUEBRA DE DECORO PARLAMENTAR
contra o deputado JAIR BOLSONARO, de qualificação conhecida dessa Casa legislativa, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos:
DECLARAÇÕES INCOMPATÍVEIS COM O ESTADO DEMOCRÁTICO
1-Como é de conhecimento público, o deputado Jair Bolsonaro, ora representado, participou de um quadro do programa humorístico “CQC”, da Rede Bandeirantes de Televisão, o qual foi transmitido na noite do dia 28 de março de 2011.
2-O quadro consistia em uma espécie de entrevista, na qual cidadãos (ao invés de um jornalista, como seria a regra) podiam fazer perguntas diretamente ao deputado.
3-Ressalte-se que o referido quadro sempre conta com a participação de pessoas notórias, inclusive políticos, como forma de permitir ao cidadão comum cobrar uma espécie de prestação de contas de seu representante, ainda que pontual e com víeis humorístico. O representado participou do quadro na qualidade de parlamentar.
4-Ocorre que, além da esperada defesa de posições conservadoras por parte do representado (o que é legítimo direito seu), algumas de suas respostas extrapolaram a olhos vistos a liberdade de expressão, violando valores constitucionais essenciais ao Estado Democrático de Direito. Confira-se o teor dessas declarações:
“P: O que você faria se tivesse um filho gay?
R: Isso nem passa pela minha cabeça, se tiver uma boa educação e um pai presente, então eu não corro esse risco.
P: No exército tinha muita viadagem?
R: No nosso meio o percentual é muito pequeno, mas são tolerados e respeitados. Logicamente, aquele que aparecer tem o tratamento devido, de acordo com a legislação militar.
P: Se te convidarem para sair num desfile gay, você iria?
R: Eu não iria porque não participo de promover os maus costumes, até porque eu acredito em Deus, tenho família e a família deve ser preservada a qualquer custo, senão a nação simplesmente ruirá.
P: Por que o Sr. É contra as cotas raciais?
R: Porque somos todos iguais perante a lei. Eu não entraria num avião pilotado por um cotista e nem aceitaria ser operado por um médico cotista.
P: Se o seu filho se apaixonasse por uma negra, o que você faria [pergunta elaborada pela cantora Preta Gil]?
R: Preta, eu não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja, eu não corro esse risco porque meus filhos foram muito bem educados e não viveram em um ambiente como, lamentavelmente, é o teu”.
5-Fica claro o teor homofóbico e racista, este último, aliás, tipificado em tese até mesmo como crime inafiançável (art. 20, caput e §2º da Lei 7.716/89, art. 140, §3º do Código Penal e art. 5º, XLII da Constituição Federal).
6-É interessante notar que o próprio representado, em declarações feitas à imprensa após a veiculação da referida entrevista, escusou-se dizendo não ter compreendido bem a pergunta realizada pela cantora Preta Gil, que o indagou qual seria sua postura se um filho seu se apaixonasse por uma mulher negra. O deputado, segundo afirma, teria entendido que o questionamento seria acerca de possível relação homossexual de um filho seu.
7-A escusa do deputado sequer é crível, por dois motivos. Primeiro, porque a pergunta foi formulada de maneira perfeitamente clara, não havendo qualquer dubiedade capaz de gerar o referido engano. Segundo, porque se tratava de um vídeo anteriormente gravado, sendo perfeitamente possível que, no caso de má compreensão da pergunta, o deputado solicitasse nova reprodução do vídeo em que veiculada.
8-No entanto, ressalte-se que, mesmo em se aceitando a tal escusa, o deputado, no mínimo, acabou confessando seu repúdio discriminatório contra os homossexuais, ao afirmar que considera tal espécie de relação uma “promiscuidade” e resultado do convívio em um ambiente que considera depreciativo dos valores da família e dos bons costumes.
9-Além disso, essa não foi sua única declaração de cunho aparentemente racista. O deputado também afirmou, como descrito acima, que não voaria em avião pilotado por um cotista, nem seria operado por um cirurgião cotista (referindo-se aos profissionais que tenham sido beneficiários de cotas raciais existentes em algumas universidades brasileiras).
10-Sendo assim, mesmo que se admita que a última resposta do deputado não se referia aos negros, mas sim aos homossexuais, ao menos seu significado confessado, bem como as demais declarações dadas no mesmo quadro televisivo, são mais do que suficientes para a caracterização da quebra de decoro parlamentar. Vejamos o que diz o Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados:
Art. 3º São deveres fundamentais do deputado:
[...]
II - respeitar e cumprir a Constituição, as leis e as normas internas da Casa e do Congresso Nacional;
III - zelar pelo prestígio, aprimoramento e valorização das instituições democráticas e representativas e pelas prerrogativas do Poder Legislativo;
IV - exercer o mandato com dignidade e respeito à coisa pública e à vontade popular, agindo com boa-fé, zelo e probidade;
[...]
11- Ora, o representado, ao prestar as declarações acima reproduzidas, de cunho patentemente discriminatório (seja contra os negros, seja contra os homossexuais), atentou contra a Constituição Federal, a qual, como é evidente, repudia qualquer espécie de discriminação, inclusive as de cunho racial e sexual:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”;
12-O deputado utiliza expressões como “apologia ao homossexualismo”, como se tratasse de verdadeiro crime, bem como afirma que essa opção sexual se caracteriza como “maus costumes” e deriva de uma criação familiar defeituosa.
13-Além disso, em se admitindo que a reposta dada à cantora Preta Gil dissesse respeito, conscientemente, à hipótese de “um filho seu se apaixonar por uma mulher negra” (como transparece do vídeo anexo), fica patente trata-se de postura claramente de discriminação racial, eis que, mais uma vez, o representado afirma que tal hipótese seria inadmissível, pela boa educação dada a seus filhos. Classifica, ainda, a hipótese aventada pela cantora como “promiscuidade” e fruto de um ambiente familiar deturpado.
14-Sendo assim, as declarações do deputado Bolsonaro constituem hipóteses de quebra de decoro parlamentar, por atentarem contra a lei e a Constituição Federal.
PEDIDO
15-Dessa forma, requer a OAB/RJ a essa Mesa que instaure procedimento para apuração de quebra de decoro parlamentar, bem como, ao final, respeitado o devido processo legal, sejam aplicadas as sanções que reputar cabíveis à hipótese.
Termos em que, Pedem deferimento.
Rio de Janeiro, 30 de março de 2011.
WADIH DAMOUS
Presidente da OAB/RJ
RONALDO CRAMER
Procurador-Geral da OAB/RJ
GUILHERME PERES DE OLIVEIRA
Subprocurador-Geral da OAB/RJ.
fonte: Migalhasquente
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