"Segundo o autor do Plano Diretor “as ESF tem características diferenciadas de acordo com a região que atendem, pois as condições sociais, densidade populacional e cultura alteram o perfil das equipes” (PLANO DIRETOR p. 134, 2007).
o PSF I está estruturalmente incompatível com a atividade.
O PSF I é tido como um espaço cuja população tem “baixo nível cultura” (pág. 134). "
"Através de um olhar mais minucioso é possível constatar que o poder público municipal compreende Cultura como sendo a condição financeira de um determinado grupo social e por essa razão relega a população usuária dos PSF I e II de “nível cultural baixo”
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LUCAS DO RIO VERDE E O CONCEITO DE CULTURA
Maria Claro de Sousa
1. INTRODUÇÃO.
Em alguns países a cultura de um grupo é motivo para conflitos, guerras e banho de sangue. A lembrar o genocídio, mais conhecido como “limpeza étnica” na Bósnia há mais de uma década. Este texto tem por objetivo refletir acerca dos preconceitos raciais e sociais demonstrados no livro do Plano Diretor de Lucas do Rio Verde-MT, precisamente quando o mesmo caracteriza os usuários de cada Posto de Saúde da Família – PSF, principalmente nos P. S. F I e II, localizados no Bairro Rio Verde.
Segundo o dicionário da Academia Brasileira de Letras a palavra cultura apresenta alguns significados bem significativos e intrínsecos. Verbo: tratar como objeto de culto; presta culto a; venerar. S. f. Ato ou efeito, ou modo de cultivar a terra ou certas plantas.
Mas também pode ser o conjunto de conhecimento acumulado pela humanidade através das gerações. Valores e costumes, estética de um curto período.
Portanto, podemos dizer que cultura é produto humano e sendo produto humano cada povo apresenta a sua cultura ou suas culturas.
Caso um grupo seja por demais heterogêneo, pode se dizer que tal grupo possui várias culturas. O Brasil, por ser um país colonizado por vários povos estrangeiros, é um exemplo de povo com diversas culturas.
Mas, continuando o estudo sobre o conceito de cultura encontramos no mesmo dicionário, cultivo. s.m: Ato ou efeito de cultivar. Encontramos ainda, culto: Adj., que é bem instruído; que tem muita cultura. Ex. uma pessoa muita culta. Ou culto: s.m: veneração a Deus. Às divindades e aos santos. Ritual religioso. [2]
Temos, portanto, três significados para a palavra cultura.
De acordo com Alfredo Bosi em “Dialética da Colonização” (1992) as palavras cultura, culto e colonização derivam do mesmo verbo latino colo, cujo particípio passado é cultus e o particípio futuro é culturus.
Colo, segundo Bosi (1992) significou, na língua romana, eu moro, eu ocupo a terra, e por extensão, eu trabalho, eu cultivo o campo. (BOSI, Alfredo. P. 11. 1992)
As cidades, quando bem organizadas apresentam uma imagem mais ou menos “calmas” (ausência do caos). Os problemas sociais são mais visíveis e concentrados em espaços de fácil reconhecimento. Como as favelas ou bairros pobres.
2. Características dos usuários das Unidades de Saúde da Família segundo o Plano Diretor de Lucas do Rio Verde-MT.O Plano Diretor da cidade foi reavaliado e atualizado em dezembro de 2007 e mostra claramente a sobreposição de cultura e o preconceito racial e social.
O município tem bairros privilegiados, cuja população é praticamente constituída por grupos com poder econômico mais elevado e “por acaso” oriundas do sul do país.
Na página 125 do Plano Diretor Municipal, item 6.i destaca as atividades festivas, culturais e comerciais da cidade, que são: “Expolucas, Feira Comercial, Industrial e Agropecuária {...}, voluntários da praça (participação quase que exclusiva dos gaúchos e dos demais povos do sul do país), semana da cultura (ausente) November Fest, (extremamente incentivado pelo poder público municipal), Fest Lucas, Cultura Gaúcha, (com espaço de divulgação privilegiada na mídia local), entre outras.
Analisando cada item é possível perceber a tendência da super valorização de alguns hábitos locais promovidos, mantidos e patrocinados pelo poder público municipal. Tais hábitos demonstram mais “carinho” e “valorização” da cultura dos colonizadores, deixando para traz as demais culturas que estão presentes no município.
III - Rede de Atenção Primária – Saúde da Família - 7.c
A discriminação cultural fica muito evidenciada no item 7c- Saúde, página 127-137, destinadas a esclarecimentos das atividades desenvolvidas pela Secretaria Municipal de Saúde.Ao abrir a página quando se refere a saúde da família percebe-se a discriminação em relação a determinadas origens.
Segundo o autor do Plano Diretor “as ESF tem características diferenciadas de acordo com a região que atendem, pois as condições sociais, densidade populacional e cultura alteram o perfil das equipes” (PLANO DIRETOR p. 134, 2007).
o PSF I está estruturalmente incompatível com a atividade.
O PSF I é tido como um espaço cuja população tem “baixo nível cultura” (pág. 134).
Através de um olhar mais minucioso é possível constatar que o poder público municipal compreende Cultura como sendo a condição financeira de um determinado grupo social e por essa razão relega a população usuária dos PSF I e II de “nível cultural baixo” porque seus habitantes são trabalhadores assalariados e ganham em média 2 salários mínimos. Tem mais de 2 filhos e vem da região nordeste do país.
Segundo o autor “as famílias são desestruturadas e não tem higiene, provocando incidência de verminoses e zoonoses parasitárias. É a comunidade campeão em críticas ao atendimento.
Aqui o autor deixa claro uma visão negativa às críticas que a população faz ao mau atendimento. Há que se pensar que quando se tem uma comunidade participativa, criticando a forma de atendimento é porque tal comunidade é politizada e sabe valer de seus direitos.
Não é bom que uma comunidade seja tolhida por fazer críticas à forma de atendimento do serviço público. Afinal, é o povo que paga os salários e o funcionamento das instituições públicas com seus impostos. Lembrando que há uma gama de impostos no Brasil que deixa o povo à beira da escravidão.
E é quando a população se manifesta que o serviço público tem oportunidade de rever sua prática de atendimento à população com grandes possibilidades de melhorá-la.
A literatura do Plano Diretor de Lucas do Rio Verde demonstra tendência, se não, preconceito e sobreposição de cultura ao descrever algumas características do perfil de cada unidade de saúde da família.
Ao investigar a origem das famílias que usam os serviços dos PSF I e II percebeu-se que a maioria é oriunda da região nordeste do Brasil.
Localizadas no Bairro Rio Verde um dos maiores bairros do município o Bairro Rio Verde sofre hoje com problemas sociais de grande proporção. É como se o bairro não recebesse nenhuma atenção por parte do poder público.
O tráfico de drogas impera no bairro, as vitimas do crack perambulam pelas esquinas como se fossem trapos. E não há nenhuma política pública para a recuperação desses usuários viciados em drogas. Tão pouco investimentos na melhoria na qualidade de vida da população daquele bairro.
Lucas do Verde uma cidade situada no médio norte mato-grossense, reconhecida internacionalmente por sua capacidade produtiva e poder econômico.
Com apenas 45 mil habitantes é um lugar que, aparentemente as coisas andam as mil maravilhas. Bonita por fora e caótica por dentro mostra bem sua capacidade organizacional. O típico jargão: cada macaco em seu galho.
Por estar em franco desenvolvimento econômico e ter a presença de algumas multinacionais a cidade é alvo não só de investidores, mas também de migrantes oriundos de todo o país. O que faz de Lucas do Rio Verde um lugar multicultural.
O município de Lucas do Rio Verde foi colonizado por grupos oriundos do sul do país, que para fugir dos conflitos por terra encontraram no médio norte de Mato Grosso a grande oportunidade para desenvolver o tão sonhado green gold, (ouro verde). A região tem excelência na produção agroindustrial e é uma das maiores produtora de soja do país.
Durante muito tempo a cidade de Lucas do Rio Verde manteve a cultura gaúcha em evidência, como se fosse a única presente na cidade. Talvez, porque a maioria dos habitantes locais fosse mesmo exclusivos do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Mas sabemos que não é verdade. Aqui sempre teve mato-grossense, por exemplo.
Porém, após uma injeção de incentivos fiscais, instalação de grandes indústrias no município, mais a propaganda veiculada em todo o país de que a cidade é um verdadeiro paraíso de empregos e oportunidades, é uma das que mais cresce no país.
Hoje, Lucas do Rio Verde é uma cidade de muitas caras e cores. Se antes predominava os olhos azuis, verde e pele branca típicos dos descentes de europeus, atualmente o que se tem é uma cidade de várias cores, crenças e culturas. Vindas de toda parte do nosso país.
Até 2007, a sensação que se tinha era a de que era um país dentro do Brasil. Com leis e normas próprios do local. A cidade ainda insiste em se comportar como se fosse unicamente de cultura única. Porém, os demais grupos vindos de toda parte vem mostrando que também estão aqui para usufruir do melhor que a cidade pode oferecer e contribuir com seu desenvolvimento econômico e social.
A Sadia e muitas outras empresas mudaram, ou estão mudando a dinâmica do município em termo de comportamento social, pois foi ela que trouxe a maioria dos trabalhadores (nordestinos) que a levantaram aqui. A imprensa publica essas mudanças de maneira tímida, como se estivesse comprometida com a cultura pioneira. De qualquer maneira vem publicando essas mudanças.
No poder público os cargos de grande porte são todos ocupados pela cultura primitiva ou primeira. Se preferir, pioneira. Não se ver nordestinos, nortistas ocupando cargos de relevância no poder público local.
E as escolas até pouco tempo reproduzia com primazia os valores culturais dos pioneiros de modo que agora, o embate entre grupos são presenciados dentro das instituições de ensino.
O preconceito e a discriminação são ingredientes imprescindíveis usados por gestores públicos na cidade. Seja gestor de escola, seja gestor de pastas do serviço público municipal.
O Ministério Público Municipal tem dispensado muitas horas de trabalhos tentando coibir essas práticas dentro das instituições públicas. Mas, o trabalho deve ser árduo e contínuo. Afinal a cidade tem mais de 20 anos de emancipação.
Ao folhear o Plano Diretor percebe-se algo muito intrigante na redação das características dos usuários das Unidades de Saúde I e II. Veja o que diz a literatura acerca do PSF I:
Esta unidade está estruturalmente incompatível com a atividade, tanto em logística como sanitariamente. Atende 1300 famílias, 180 usuários por dia, os quais se concentram em áreas de elevada densidade populacional e com renda familiar aproximada de dois salários mínimos. Também está caracterizada pelo baixo nível cultural, alta incidência de migrantes desempregados que popularizam desordenadamente as famílias cadastradas. A equipe relata doenças sociais [...] a maior dificuldade da equipe refere-se à demanda e à falta de educação sanitária da área de cobertura. [...] a equipe é carente de programas de apoio ao trabalhador.
(PLANO DIRETOR, P. 134. 2007)
Quanto ao PSF II os problemas são muito parecidos, a diferença é que o povo da unidade II é campeão em críticas ao atendimento, que deve ser muito ruim, para a comunidade reclamar tanto.
Ao descrevê-los o autor se refere aos usuários como sendo grupo “com pouca cultura” por ser reclamadores do mau atendimento nos postos de saúde, por ter mais de 4 pessoas morando numa casa com apenas 3 peças, por ser vítima de má higiene, por apresentar gestação em adolescentes com 10 anos de idade. Etc.
Como se tudo isso não estivesse presente em quase todos os lugares do mundo. Quanto a higiene, o próprio poder público reconhece que falta investimentos na área. Compete a ele, poder público, melhorar a qualidade de vida no bairro.
E o que devem ser doenças sociais para o poder público? Dar até medo fazer esta pergunta.
Os PSF mais bem equipados são os III e IV (p. 136) os menos usados pela população, pois é onde estão os mais favorecidos financeiramente, os mais ricos.
PSF III está localizado em região nobre, com densidade populacional baixa, rendas familiares acima de cinco salários mínimos, nível cultural e educação sanitária satisfatória. Atende 60 usuários por dia de um total de 1400 famílias cadastradas. O reflexo desta realidade está na equipe, que se atualiza com freqüência por programas internos de capacitação. É possível nesta unidade a prática de prevenção e cumprimento do programa de saúde da família. As condições estruturais favorecem a equipe. É a única unidade com farmácia que mantém a qualidade e biossegurança das drogas. Não há reivindicações. (PLANO DIRETOR, P. 136, 2007).
Também com todo esse aparato e a quantidade mínima de usuário se houvesse reivindicações seria melhor fechar pra balanço.
Ao invés de investir nos bairros com maior densidade populacional eles investem nos bairros onde as pessoas usam o serviço particular e não precisam do SUS. Grande incoerência.
Depois alegam que os usuários dos PSF I e II são “chatos”, “sebosos” e mal educados. Lembrando que a educação é fornecida pelo município. Portanto, o problema não está no povo, que é mal educado, e sim do poder público, que é mal educador.
Parabéns para os usuários das unidades da família III e IV, povo de alto nível cultural, higiênicos e ricos, não é?
IV – CONCLUSÃO.
É uma vergonha e uma ofensa à capacidade de discernimento do povo os disparates que estão registrados nesse plano diretor. Mas é o que realmente eles pensam. Basta ficar aqui por uma semana, ou menos.
A cidade pertence a um grupo de 5 ou 6 pessoas, que manda e desmanda na cidade. É tudo por eles, para eles e com eles. A população é mera massa de manobra para se encher os bolsos dessa gente preconceituosa e autoritária.
E se você, caríssimo leitor achar que há exagero no artigo, consulte as páginas do Ministério Público e descubra a quantidade de processos contra o poder público municipal e contra algumas.
Pergunte a quem pertence os porcos que vão para a Sadia. De quem é a indústria de bicombustível; e os caminhões que abastecem a Sadia?
Lucas do Rio Verde apesar de se comportar como se fosse um país é uma cidade que faz parte da nação brasileira. Portanto, é Brasil.
BIBLIOGRAFIA
BOSI, Alfredo, 1936- Dialética da Colonização. Companhia das Letras. São Paulo. 1992.
PLANO DIRETOR DO MUNICÍPIO DE LUCAS DO RIO VERDE. REAVALIAÇÃO E ATUALIZAÇÃO. Publicação da Prefeitura Municipal de Lucas do Rio Verde-MT. Supervisão: Enio Luiz Perin. 2007.
Maria Claro de Sousa
mariaclara624@hotmail.co
Eu não havia lido esse plano ainda. Mas terei o cuidado de lê-lo agora. Talvez seja apenas a maneira de escrever as coisas que acabam dando essa visão. Mas baixa cultura? é demais.
ResponderExcluirninguém tem baixa cultura. todos tem cultura. a não ser que seja uma comunidade recem nascida que ainda está se formando, aí sim o nivel cultural está em desenvolvimento.
parabéns à autora do artigo. muito bem escrito, por sinal.