domingo, 4 de abril de 2010

Segredo de imprensa - por que os jornais se tornam cegos, surdos e mudos




FÁBIO PANNUNZIO: O político mais processado do País não tem nenhum opositor no parlamento. Deputados estaduais, federais e senadores jamais deram um pio para contar ao País o que acontece nos subterrâneos da política matogrossense.
04/04/2010 - 00:12:00


por Fábio Pannunzio (foto)


Você já deve ter ouvido falar que um juiz pode decretar segredo de justiça sobre um determinado processo para resguardar o interesse das investigações ou a privacidade de uma das partes. Você já deve ter ouvido falar que a imprensa, em casos que inspiram clamor público, pode deixar de publicar informações que ponham em risco a vida ou algum interesse coletivo que se coloca acima do interesse jornalístico. Casos de sequestro, por exemplo. Muitas vezes a imprensa é avisada do desenrolar de uma investigação e não publica nada até que o refém esteja seguro.

Em países onde a liberdade de imprensa é cláusula pétrea, o instituto do off the record vai além de um compromisso tácito entre a fonte e o jornalista. Na iminência de uma guerra, por exemplo, o governo dos Estados Unidos convoca os setoristas da Casa Branca, faz um briefing e pede o embargo da informação. O embargo é respeitado. Ninguém se preocupa em furar ninguém porque aquela informação tem um interesse estratégico -- a publicação antecipada poderia afetar a segurança do próprio Estado.

Há muitas razões de ordem ética, legal ou moral que podem levar um jornalista a não publicar uma informação. Mas nenhuma delas torna aceitável criar uma couraça em torno de uma autoridade para blindá-la de seus malfeitos na vida pública. No Brasil, parte da imprensa sobrevive justamente desse tipo de expdiente.

Veja o que ocorre em Mato Grosso, estado com três milhões de habitantes e uma institucionalidade viciada por todo tipo de pecado. Os jornais de Cuiabá, todos eles, sem exceção, são verdadeiros instrumentos para o acobertamento de fraudes cometidas por políticos. Nem mesmo fatos públicos são noticiados. Por exemplo, os processos que correm na Justiça contra o deputado José geraldo Riva. O maior ficha-suja do País tem contra si 118 ações civis e penais. Mas os jornais não noticiam nada que possa causar incômodos a ele.

Cabe ressaltar que os 118 processos e as quatro condenações que o incumbem tiraram seus direitos políticos, cassaram seu direito de disputar eleições, impediram-no de assinar cheques e atos administrativos da Assembléia Legislativa que dirige e bloquearam seus bens. Mas a sociedade matogrossense não tem o direito de saber que isso tudo aconteceu porque os jornais nada noticiam sobre Riva, a menos que seja para paparicá-lo.

Caso notório é a ausência completa de informação sobre os processos que esse deputado ficha-suja move contra este Blog, o Prosa e Política e a Página do E. As três página eletrônicas são acusadas de assacar contra Riva simplesmente porque relatam os malfeitos que grassam em sua biografia. De acordo com o Ministério Público, Riva é um prodígio de múltiplas improbidades. Mas o cidadão matogrossense continua pensando que ele é um santo, porque só encontra elogios ao político nas páginas dos jornais.

Fico aqui refletindo sobre o que leva o leitor a assinar um jornal em Mato Grosso. É curioso o fato de alguém pagar pela informação e não tê-la. Financiar a máquina que robustece a blindagem de Riva e outros políticos "improbos", para ficar num adjetivo que lhe colou a Justiça ao condená-lo. Aqui em Brasília, nas duas vezes em que o Correio Braziliense tomou o lado dos bandidos e escondeu informações, um forte movimento de cancelamento de assinaturas forçou o jornal a abandonar o pacto de cumplicidade que mantinha com o governador -- hoje presidiário -- José Roberto Arruda.

O mesmo instrumento de pressão está ao alcance de qualquer cidadão. Quem regula os jornais é a demanda dos leitores, que pagam as assinaturas e consomem os produtos anunciados pelos periódicos. Mas isso, pelo menos até onde eu saiba, também não acontece em Mato Grosso. É difícil supor que toda a sociedade matogrossense tenha se acumpliciado com quem há quase duas décadas assalta o cofre onde são depositados os impostos. -- e não se importe com isso. Se alguém desvia dinheiro público, alguém está sendo roubado. Portanto, não pode haver vantagem para todos na manutenção de um sistema como esse.

A falta de eco na imprensa para os assuntos que dizem respeito à atividade criminosa de Riva, no entanto, tem um fato gerador claro. O político mais processado do País não tem nenhum opositor no parlamento. Nunca, desde sempre, alguém ocupou a tribuna pra denunciar os desmandos da quadrilha que , segundo o Ministério Público, desviou mais de R$ 80 milhões. Quadrilha, aliás, cujo comandante-em-chefe, segundo as peças de acusação e as sentenças já prolatadas, é censor-mór José Geraldo Riva.

Com o silêncio acumpliciador dos colegas, o Legislativo de MT segue prevaricando em relação ao que já está mais do que comprovado. Tome-se em conta, por exemplo, que duas semanas atrás um desembargador foi aposentado compulsoriamente pelo CNJ porque empregou os filhos em sinecuras-fantasmas. Quando veio a cláusula antinepotismo, o mesmo juiz abrigou seus rebentos sob cargos fictícios arranjados por esse Riva. Eram notórios funcionários fantasmas. A irregularidade, no entanto, não mereceu um movimento da Corregedoria da Assembléia, uma representação ao Conselho de ética contra o presidente da Casa, nada. É como se empregar fantasmas não fosse suficientemente grave para valer um processo por quebra do decoro parlamentar. É como se as autoridades tivessem se despido da obrigação de denunciar irregularidades na administração da Coisa Pública

Um detalhe importante: Riva, que assinou os atos de nomeação dos filhos do magistrado, tinha vários processos sendo julgados por ele.

Para os jornais de Mato Grosso, esse fato não é suficientemente grave para justificar a apuração e a publicação de uma reportagem. Mas eles têm coragem suficiente para reproduzir os posts das agências de notícia que davam conta da vida pregressa de outro parlamentar, o Senador José Sarney, em processos muito semelhantes. Por que falam de Sarney e não falam de Riva, cuja conduta é muito mais sediciosa do que a do atual presidente do Senado ?

O mesmo vale para os deputados estaduais de Mato Grosso. Todos eles, sem nenhuma exceção. E para os federais, que jamais ocuparam a tribuna da Câmara para se manifestar a respeito. E os três senadores que, da mesma forma, jamais deram um pio para contar ao País o que acontece nos subterrâneos da política matogrossense.

Foi esta grande omertá o principal responsável pela instituição desse estatuto antirrepublicano, o segredo de imprensa, que Mato Grosso há de legar como uma mácula indelével para a história deste País.

FONTE BLOG DO PANNUNZIO

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